segunda-feira, 27 de outubro de 2008

O Abismo entre Teoria e Prática

Neste final de semana, assisti a uma mesa redonda interessante. Não lembro o título, mas ela falava sobre ensino de ciências, diversidade e preconceito.
Apesar de ter achado bem interessante, tive uma sensação que tenho freqüentemente: a de que aquelas pessoas que estão falando não conhecem a realidade escolar.

Eu tenho essa sensação diversas vezes ao ler um livro ou ao assistir a uma palestra de algum teórico na área de educação. Na verdade, tenho essa sensação desde a minha formação inicial, pois eu já dava aulas. Sempre questionava aos meus professores como transpor aquelas idéias para a prática e em geral eles rapidamente mudavam de assunto. Conversando com amigos professores, percebo que eles compartilham esse sentimento e muitos dele abandonam a busca por fundamentações teóricas, e atuam de forma intuitiva ou empírica. Não desprezo a percepção do professor, mas acredito que a teoria me ajuda a aguçar essa percepção, a transformar ou refinar o meu olhar sobre a minha prática e portanto, estou constantemente buscando idéias ou teorias que me ajudem nesse processo.

Por coincidência, nessa semana, peguei um livro emprestado chamado "A invenção da Escola a Cada Dia" que no capítulo de abertura discute que muitas políticas públicas públicas e teorias pedagógicas desconhecem a realidade escolar. As autoras citam que "muito se fala sobre escola, de fora da escola, de longe da escola, muitas vezes a partir de um absoluto desconhecimento em relação ao que acontece dentro da escola a cada dia... A escola da qual tanto falam é uma simplificação a partir de um paradigma reducionista que ignora tudo o que se passa e se cria nesse espaço/tempo de aprender e ensinar de relações de subjetividade, de encontros e desencontros de socialização."

Acho que isso explica muito esse abismo entre a teoria e a prática: a realidade escolar é ignorada. De nada adianta a mais utópica das teorias se ela não leva em consideração os atores sociais presentes nas escolas.

Além disso, é importante ressaltar a enorme carga de responsabilidade que a figura do professor passou a ter. O professor tem de ser o profissional responsável pela transformação social; pela criação de uma sociedade mais ética e igualitária e além disso, ensinar bem todos os conteúdos de sua disciplina. Dá-se essa responsabilidade a esse profissional, mas não dá-se possibilidades para que eles a exerçam. Isso é uma longa discussão que na qual eu não pretendo me alongar agora.

Nilva Alves & Regina Leite Garcia (org.).2000. A Invenção da Escola a Cada Dia. 144p. Coleção O Sentido da Escola. DP&A Ed.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

DIa do Professor

Hoje, entre os vários e-mails que recebi, um explicava que comemora-se o dia do professor no dia 15 de outubro pois
"No dia 15 de outubro de 1827 ,D. Pedro I baixou um Decreto Imperial que criou o Ensino Elementar no Brasil. Pelo decreto, “todas as cidades, vilas e lugarejos tivessem suas escolas de primeiras letras”. Esse decreto falava de bastante coisa: descentralização do ensino, o salário dos professores, as matérias básicas que todos os alunos deveriam aprender e até como os professores deveriam ser contratados. A idéia, inovadora e revolucionária, teria sido ótima - caso tivesse sido cumprida."

Apesar de dar aula desde o segundo período da faculdade em um pré-vestibular social (o que já faz algum tempo, considerando que me formei em 2004), foi só durante o meu estágio, em 2006, quando tive de volta contato com a escola, que resolvi ser menos bióloga e me tornar de vez professora. Colei grau na licenciatura em janeiro de 2007 e de lá para cá, posso dizer que já tive experiências muito diversas:
1- Dei aula em um colégio público de qualidade. Um colégio, onde apesar de haver dificuldades próprias de todo colégio, havia profissionais éticos e comprometidos com o ensino público. Lá dei aula de Ciências e de Biologia.
2- Fui professora de um bom colégio particular. Lá eu ganhava bem, tinha uma boa infraestrutura, era respeitada como profissional, mas sentia que meu trabalho não contribuía para a construção de uma sociedade mais justa e menos desigual.
3- Trabalhei como tutora de Biologia, em um curso de Educação à Distância. Pude conhecer pessoas com histórias de vida diversas, mas que tinham em comum, o valor pela educação e a dificuldade de ter cursado um curso superior em momentos anteriores.
4- Dei aula em um colégio público com péssima infra-estrutura, baixos salários, professores que detestavam dar aula, alunos complicados, mas aonde eu consegui fazer uma certa diferença.
5- Também trabalhei em um outro colégio público com os problemas citados no anterior, mas aonde além de receber muito mal, sofri uma série de agressões por parte dos alunos e onde por fim pedi demissão.

Posso dizer assim, que em pouco tempo, tive uma bela amostragem da realidade da educação do nosso país. É claro que há muito mais para se conhecer, mas esses dois últimos anos foram muito intensos profissionalmente para mim. Algumas vezes, tive a sensação de ir do "céu" ao "inferno" profissional. Havia dias em que eu dava aulas, no mesmo dia, para alunos que viviam em condição de miséria, ou em casas luxuosas em bairros nobres. Alunos que moravam em fazendas, condomínios, favelas, tudo isso em uma mesma semana.

Durante a faculdade, tive aulas que diziam que deveríamos considerar os conhecimentos prévios dos alunos, sua bagagem cultural. Pois bem, tinha que lidar com alunos cujo pai estava preso, e alunos que tinham que adiantar a prova pois passariam as férias na Europa. Perceba que entre esses alunos, havia uma série de outros que não ficavam nesses extremos.

Durante esse período, dei muitas aulas, corrigi muitas provas, dormi pouco, me alimentei muitas vezes mal, e ainda assim, não ganho o suficiente para me sustentar.
Hoje, dia do professor, estou aliviada por não ter que trabalhar, por ter direito a um descanso.

Mas hoje, além de ser dia do professor, é aniversário da minha mãe. Minha mãe é assistente social, e a minha vida inteira a vi trabalhando, lutando por mudanças, criticando a desigualdade, o preconceito, a ignorância que leva à essa desigualdade e a esse preconceito e acho que não por acaso, me tornei uma professora que acredita que tem como objetivo educar, acreditando que a educação é a base para essa transformação pela qual lutou e luta minha mãe e tantas outras pessoas.

Nesses dois anos, mais do que ensinar, aprendi. Aprendi muito sobre biologia e ciências, mas mais ainda, aprendi muito sobre o ser humano.
Espero continuar aprendendo, e como me disse uma amiga:
"Parabéns pelo dia que é nosso! E muita força para seguir em frente apesar das adversidades!!!!
Que presenciemos ainda dias melhores...."

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Pílulas ou... Mudando de Assunto

Bom, mudando um pouco de assunto e falando menos sobre a vida de professora.

Essa semana eu baixei o cd novo do Marcelo Camelo que é algo assim... MUITO BOM!

Eu me lembro até hoje a primeira vez que tive contato com o Los Hermanos. Eu estava em uma aula prática de Bioquímica na faculdade quando percebi que dois amigos estavam discutindo por causa de um cd. O cd no caso era "O Bloco do Eu Sozinho". Uma grande amiga tinha emprestado esse cd a um outro amigo e ele devolveu afirmando que ele era uma grande porcaria.

Ela meio contrariada olhou para mim e disse: leva para ouvir, vc vai gostar! Acho que no fundo ela queria que alguém concordasse que o cd era bom. E não era bom, era muito bom! Até então, eu só conhecia "Ana Júlia" e "Primavera".

De lá para cá, as músicas do los hermanos foram me acompanhando. Já me apaixonei, sofri, desapaixonei, reapaixonei, e sempre tinha uma música deles acompanhando minha depressão romântica-existencial que variava da tristeza ao otimismo.
Seguia a máxima de Iaia... que se "peco é na vontade de ter um amor de verdade... pois é, que assim um dia eu me atirei e fui me encontrar para ver que eu me enganei..."

Depois de ouvir (durante uma dor de cotovelo) várias vezes o primeiro cd (que ao meu ver é o mais depressivo) conclui que todos nós sentimos essa perda e que no final tudo passa. Ouvir essas músicas é assim uma espécie de catarse e é por isso que músicas que falem sobre amor fazem tanto sucesso, não é mesmo?

Bem, o "Los Hermanos" foi mudando e eu também, como se nós tivéssemos ficado mais amadurecidos (e menos depressivos). Fui à dois shows muito especiais, um na memorável cantareira, à R$ 10,00. Melhor impossível.

Até que enfim... o Los Hermanos acabou.

Felizmente, Marcelo Camelo está de volta e o cd está totalmente disponível para ser ouvido. Ele estava disponível para download. Mas não está mais. Mas, fazendo um trocadilho infame: "caiu na rede: é peixe". Não é muito difícil achá-lo.

Amei de todo coração a música que ele canta com a Malu Magalhães. Eu tenho vontade de abraçar os dois de tanto fofas que as vozes deles e a melodia ficaram. Carinho para os ouvidos.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Sobre o livro da Escola da Ponte

Bom, na última postagem, eu comentei que fiquei muito entusiasmada com o livro do Rubem Alves "A escola que sempre sonhei sem imaginar que pudesse existir". Prometi também que comentaria aqui sobre o livro.
Cumprindo minha promessa, segue abaixo um trecho que eu achei particularmente interessante. Ele foi tirado do prefácio escrito por Ademar Ferreira dos Santos e ao meu ver despensa meus comentários.
Boa Leitura!

Vemos para fora e para dentro. Fora, vemos apenas o que de efêmero se vai oferecendo ao horizonte dos nossos olhos. Dentro, tendemos a ver o que não existe, freqüentemente, o que desejaríamos que existisse...

Mas, sendo embora aquele que, por inventar o que não existe, antecipa e germina o futuro, o olhar para dentro seria um olhar completamente vazio de sentido se não dialogasse permanentemente com tudo o que existe, fora dele.

Nenhuma mudança se funda no nada, na negação da história ou da realidade ou das suas aparências, por mais efêmeras que se apresentem aos nossos olhos, quando eles vêem para fora. Todas as utopias se reportam ao que existe e tudo o que existe aspira o que não existe. O que não existe precisa do que existe - como se fosse a sua face mais oculta.

Daí que o olhar para dentro e o olhar para fora não sejam olhares inimigos ou disjuntivos. São olhares que se vêem também um ao outro e que eroticamente se desejam, aspirando à comunhão. Olhar apenas para fora ou para dentro seria dolorosamente insuportável. Se tivéssemos apenas olhos para o que existe -
não veríamos o que falta e cegaríamos para as utopias. Se víssemos apenas o que não existe - regressaríamos rapidamente a uma imensa caverna de sombras e cegaríamos para a conteporaneidade. Em ambos os casos, perderíamos a capacidade de ver pelos nossos próprios olhos (muito distinto de ver apenas com os olhos dos outros)...

Nenhum pensamento reclama tanto a comunhão dos olhares para fora e para dentro como o pensamento sobre a educação.