domingo, 22 de agosto de 2010

Ah... O Amor

Essa semana, comecei a dar aula para uma turma de oitavo ano. Eu tinha prometido a mim mesma que não assumiria mais nenhum compromisso de trabalho, mas o professor deles pediu demissão e a tendência provável seria: eles ficariam sem professor até o fim do ano e no final fariam um trabalho que justificasse a nota. Considerando isso, resolvi assumir a turma.
Essa turma é considerada na escola como a mais complicada. Uma das reclamações recorrentes dos professores são os constantes comentários do alunos sobre sexo, especialmente em relação às meninas. Foi até proposto um ciclo de palestras com alguém externo, mas como eu não era professora da turma, fui acompanhando a questão pela visão dos meus colegas.
Como o professor anterior deixou pouco registro do que tinha sido ensinado e considerando que tradicionalmente o currículo de Ciências para o Oitavo Ano é "Corpo Humano", a primeira ideia seria falar sobre sexualidade com eles, certo? Bem, eu me lembrei de uma conversa que tive com uma profissional do SOE de uma das escolas em que trabalhei, em uma época que os alunos me perguntavam muito sobre isso. Ela disse que se eles perguntavam é porque se sentiam a vontade e tinham confiança para me perguntar sobre assunto, que é íntimo. Pensando nisso, achei que não seria uma boa abordagem "chegar falando sobre sexo". Quer dizer, eu não tinha qualquer relação construída com esses alunos, logo, nenhuma intimidade. Não queria ser uma adulta ditando regras politicamente corretas.
Bem, se não falar sobre isso, como eu poderia começar?
Nesse processo de seleção de conteúdos, me lembrei de uma conversa que tive com um amigo. Ele me disse que estava curtindo ouvir algumas músicas dos Titãs, e citou em especial a música "O Pulso". Ele estava se perguntando sobre o que poderia dizer aquele refrão "O pulso ainda pulsa/o corpo ainda é pouco". Depois dessa conversa fiquei pensando que algumas músicas dos titãs, em especial do Arnaldo Antunes tem um "cara" meio naturalista. Lembrei do meu professor de literatura da escola falando sobre as características do naturalismo e das poesias do Aluísio de Azevedo e me pareceu que isso tudo se parecia com as descrições que os professores faziam dessa turma. Então, decidi usar essa música para fazer uma atividade com eles, para entender um pouco sobre como eles eram. Peguei meu CD "Acústico" que por acaso ganhei quando tinha uma faixa etária bem próxima a que os alunos estão. Comecei a aula tocado a música e fiz 4 perguntas sobre a ela e sobre o que eles achavam dela e do próprio corpo. Deixei tocando o resto do CD enquando eles respondiam.
Depois de um tempo, discutimos um pouco sobre as respostas.
O que mais me chamou atenção foi em relação a minha última pergunta: "Existe algo sobre o seu corpo que você gostaria de conhecer melhor?" Todos responderam que não. Fiquei surpresa e perguntei se eles não teriam curiosidade de saber o que muda durante a gravidez; o que o álcool provoca no cérebro, etc. Ai todos disseram que sim, gostariam de saber essas coisas. Uma menina aproveitou a deixa e falou: "professora, eu queria saber por que a gente se apaixona". Conversamos um pouco sobre o assunto, foi ótimo.
Conversei também com eles sobre o que já tinham estudado com o outro professor e o próximo tema seria "Sistema Nervoso". Então pensei, porque não começar falando sobre o que acontece no sistema nervoso quando nos apaixonamos?! Comentei isso com a professora de geografia que me emprestou uma reportagem da revista Superinteressante sobre isso.
Vou problematizar isso com eles e a partir dai discutir a organização e plasticidade do sistema nervoso.
Todo esse processo criativo foi muito interessante e prazeroso para mim e por isso resolvi escrever sobre ele aqui no blog. Primeiro porque sem dúvidas ele foi influenciado pela minha formação inicial e por todas aquelas discussões sobre que corpo humano discutimos nas aulas de Ciências, de que não devemos falar sobre o corpo de uma forma mecanizada e recortado de um contexto sócio-cultural. O que só reforça minha crença na formação inicial e continuada do professor para superar as dificuldades e angústias da prática docente, descontruindo a ideia em que muitos teimam em insistir que para ser professor temos que ter um "dom imanente".
Em segundo lugar, porque ele foi resultado de uma troca de idéias com 2 amigos (de forma direta, porque sem dúvida que outras conversas contribuíram para esse processo) o que me mostra que essa troca é uma das melhores coisas de ser professor e que a gente tem que se abrir para as idéias das outras pessoas.
Por último, que ouvir os alunos ao invés de impor um conteúdo serviu para eu re-elaborar os conceitos que eu tinha sobre eles e para construir uma boa relação inicial com a turma, uma relação de abertura para as atividades que eu vou propor em seguida.
Bom, acho que eu já escrevi muito... o título da postagem é "ah, o amor". Pode parecer que o amor tenha ficado perdido nas minhas idéias, mas não ficou não, é que no fundo, é um assunto que nos interessa, que serviu de elo para o diálogo, e que me move profissionalmente. Vamos ver os desdobramentos!