domingo, 4 de maio de 2008

Humanizando a natureza

Um dos principais problemas que enfrento com meus alunos é o fato de que eles humanizam demais a natureza. As pessoas em geral fazem isso, e nesse processo, vêem intencionalidade e moralidade na ação de animais e utilidade nos demais seres.

Para citar um exemplo, em uma prova, vários alunos meus disseram que o mosquito da dengue não tem "culpa" de nos picar. Agora imagine, um mosquito lá tem culpa, ou qualquer outro sentimento humano?

Já as plantas, que em geral nem é visto como ser vivo, existem para limpar o ar e produzir o oxigênio para nós respirarmos. Entretanto, se olharmos do ponto de vista evolutivo, a fotossíntese surgiu muito antes de qualquer animal, então como ela pode existir para servir a estes animais?

Podemos perceber claramente esse processo de humanização em animações como as da Disney. Os animais tem atitudes humanas e até características físicas humanas (são bípedes, tem visão binocular). Sempre penso no exemplo do nemo. Na natureza, um peixe com uma nadadeira deformada seria facilmente devorado, mas no caso do filme, todos os seres do mar se preocupam com ele.

Essa visão sobre natureza poderia ser interessante do ponto de vista conservacionista. As campanhas de preservação de animais bonitos e "fofos" como baleias, golfinhos, são mais bem sucedidas. Li uma reportagem no G1 sobre isso: as pessoas tendem a gostar de animais aos quais associam características valorizadas em seres humanos (como beleza, força, coragem, justiça) e a rejeitar alguns animais pelo mesmo motivo. Assim, lutando pela conservação de uma espécie "querida", preservamos o ambiente onde ela vive e as outras espécies presentes neste ambiente. Um aluno meu da graduação deu o exemplo da onça, pois para cada onça sobreviva é preciso preservar 50 km2. É claro que também é importante desmistificar essa idéia de que alguns animais são bons e merecedores de atenção e outros são desprezíveis e nesse processo é preciso combater essa visão humanizadora sobre os demais seres vivos.

O engraçado é que ao mesmo tempo que as pessoas humanizam a natureza, elas vêem os seres humanos como seres a parte dela. Costumo fazer uma associação desse pensamento com o mito da criação. Nele, a natureza foi feita para servir ao homem, mas ele foi expulso do paraíso, enfrentando toda sorte de situações inóspitas. Assim, a natureza ora pode representar um paraíso para onde queremos voltar, algo a nos servir, ora pode representar coisas ruins a serem dominadas. De qualquer forma o homem pode dispor da natureza.

As visões sobre o utilitarismo da natureza tem caído por terra desde o último século, mas muitas vezes elas permanecem lá no nosso inconsciente.

Reportagem: http://g1.globo.com/Noticias/Ciencia/0,,MUL451681-5603,00-ENTENDA+A+BIOINTOLERANCIA+BIZARRA+MANIA+DE+ACHAR+QUE+ALGUNS+BICHOS+SAO+VILO.html

Um comentário:

Aline disse...

Incrível como a questão da humanização das coisas e o julgamento esta presente em discursos aparentemente tão inocentes. É exatamente como vc disse os conceitos estão presos no nosso inconsciente mesmo que hoje saibamos tratar-se de algo totalmente diferente.